26 de mai. de 2012

Um rápido balanço

Eis que, em junho, completarei quatro anos de meu ingresso na área da saúde, sendo mais de dois deles, atuando profissionalmente na enfermagem, especialmente, em saúde mental. Passou mais ligeiro do que imaginei e tomei atitudes mais inesperadas do que planejei, como por exemplo, estudar uma faculdade de enfermagem, iniciada neste ano. É interessante voltar à faculdade depois dos 30. Na verdade, eu diria que é muito melhor. Hoje sei que sou mais enfermeira do que jornalista. Mas uma profissão não exclui a outra: continuo gostando de escrever, sentindo necessidade de expressar-me por meio das letras e acho que isso nunca sairá de mim. Mas o balanço que quero fazer é sobre o que vi e ouvi na enfermagem até agora. 

Nos locais onde trabalhei e nos diversos serviços de saúde por onde percorri, encontrei excelentes profissionais da saúde, mas também, uma enfermagem cansada. Infelizmente, jovens ou veteranos da enfermagem estão fatigados. Inúmeras razões levam auxiliares, técnicos e enfermeiros a concluírem seus cursos, mas a maioria não está, de fato, muito preocupada em cuidar do outro. Aliás, esta divisão hierárquica entre os profissionais de enfermagem, ocorrida nos anos 50/60, mais atrapalhou do que ajudou. Compartilho da mesma opinião de minha professora da disciplina de História do Cuidar: somos todos enfermeiros e pronto. Observando bem, ninguém grita assim, "auxiliar de enfermaaaagem!" ou "técnico em enfermaaaagem!". O que se ouve é, "enfermeeeeeiraaaaa!".

Pessoas estudam para serem auxiliares e técnicos em enfermagem porque o curso dura um ano, porque tem uma escola a cada três quarteirões, porque se trabalha 06 horas por dia para ganhar uma média líquida inicial de $1.300 (não menos que isso), porque o marido mandou, porque a mãe é enfermeira, porque a vizinhança toda trabalha em hospital, porque o profissional usa roupa branca, porque basta ter o ensino médio (resolvido com um supletivo, se for o caso). Muitos dos veteranos permaneceram somente com o curso de auxiliar e não se interessaram em dar continuidade aos estudos ou buscar uma reciclagem. Destes, também é possível contar nos dedos os que realmente atuam por vocação. E mesmo os vocacionados estão exaustos. Raras foram as vezes em que ouvi, "eu gosto de cuidar do outro". E existem aqueles que estudam uma faculdade de enfermagem por uma razão bastante inóspita: não querem mais "ficar lavando bunda de paciente". Sim, eu realmente ouvi isso. E não foi só uma vez.

Meu exame aqui é quanto à conduta e ao compromisso ético com a prática de saúde. Do pouco que experimentei, com meu olhar novato, porém, entusiasmado, ficou nítido que a enfermagem brasileira está passando por uma nebulosidade que já dura bastante tempo e precisaria (urgente) passar por uma reforma. Há também uma contradição entre o que se fala e o que se faz. Na teoria, tudo é muito correto. Na prática, predomina o jogo do sistema no qual é preciso "entrar no esquema". Esquema este que fiz questão de não participar e, por isso, perdi meu último emprego. 

Algumas pessoas ingressam na enfermagem por motivações fortuitas e não dá para entrar nesta área sem gostar, essencialmente, de gente. Mas tenho visto exatamente o contrário e será com isso que terei de conviver, até encontrar o meu real lugar no mercado de trabalho. Você pode até não gostar de determinados setores, como geriatria, UTI, psiquiatria, pronto-socorro. Pode até não gostar de fazer alguns procedimentos, como punção, curativo, banho, etc. Mesmo assim, em todas as especialidades e em qualquer atendimento, um profissional atuante em enfermagem, vai ter de enfrentar e assumir o paciente/cliente em algum momento: seja conversando ou só fazendo companhia, o ouvindo ou orientando, seja dando banho ou não, esteja o profissional para se aposentar ou tenha chegado agora no mercado. Certas falas de alguns profissionais da enfermagem evidenciam o descompromisso: "este não é meu andar", "este não é meu paciente", "isto não é comigo", "quem mandou você vir falar comigo?", "não sou eu quem vê isso", "já estou de saída". São respostas resvaladiças em que o funcionário inconsequente não quer se responsabilizar por nada. Esta atitude hostil é contagiosa e atinge - não só o usuário do serviço, que sai prejudicado em todos os níveis - mas a equipe (que não vê outra alternativa, a não ser agindo igual) e entusiastas, como eu. 

No meu último emprego sofri bullying. Sim, é risível. Mas é a pura verdade. Verdade também que eu, com minha franca inexperiência e minha ingênua dedicação, acabei trocando os pés pelas mãos e não soube "ser política" nem ter jogo de cintura. Mas essa minha "ingenuidade crônica" (expressão que uma amiga usou sobre mim, certa vez) foi - definitivamente - embora, depois do que vivenciei. Existem características que permeiam meu perfil profissional, independentemente da área em que atuo: possuo excelente nível de diálogo, inteligência emocional desenvolvida, meu desempenho é reconhecido pela competência, dedicação e organização, tenho uma personalidade precavida e prevencionista. Coleto informações, pesquiso o antes e o agora, me interesso, busco um sentido nas coisas que facilite a compreensão do momento presente e me dê os passos para prevenir futuros sofrimentos. Contribuo para melhorias, opino sobre o que não deu certo e ofereço novas ideias. Sobretudo, se for para fazer algo mal feito, nem começo. E mais, no caso da enfermagem principalmente, o bem do paciente/cliente vem antes dos meus interesses. Sou daquelas que para o que está fazendo para dar atenção, que fica mais alguns minutos além do expediente se for preciso e não sossego enquanto a pessoa não ficar, de alguma forma, satisfeita.

Como acolher uma profissional, com este elevado grau de comprometimento, em um serviço contaminado por velhos hábitos adquiridos, atrelado ao atendimento de balcão (mesmo existindo diretrizes na saúde pública que reprovem isso), partilhado por uma equipe mais interessada em dar gargalhadas na copa (enquanto uma mãe chorosa aguarda atendimento na sala de espera)?. "Não vai dar, gente, esta moça vai dar problema aqui", "ela vai atrapalhar", "precisamos agir logo", "os pacientes estão começando a gostar dela", "quem ela pensa que é?". Sou a ameaça. Sou o perigo, que vai abalar aquela estrutura de atendimento tão cuidadosamente instalada e que está "indo muito bem do jeito que está". Trabalhar direito, neste caso, significa fazer a incompetência do outro aparecer. Afora isso, os colegas mais preparados e mais afetuosos (mas não menos ardilosos!), tentam me consolar dizendo ser tudo fruto de inveja. E existem aqueles que também me admiram verdadeiramente, mas ficam apreensivos com o envolvimento ao me darem algum apoio. A vida corporativa não é fácil, mas julguei que, na enfermagem, havia uma meta em comum imprescindivelmente superior. Constatei que não é exatamente assim que funciona e que pouco poderei fazer para transformar esta gigantesca realidade. Aliás, o setor de recursos humanos de algumas empresas ignora a saída repetida de funcionários como um mal indício e não busca averiguação.

Por fim, desde quando comecei a estudar enfermagem, ouço falar na "desunião da classe". Eu, que estava iniciando na área, não queria acreditar nisso de maneira nenhuma. "Desunida por quê?", eu pensava. Não estamos todos com um mesmo objetivo final e que é a maior virtude de nosso ofício, de nossa profissão: cuidar bem do outro?. Não estamos todos estudando os mesmos fundamentos, as mesmas bases, os mesmos conceitos, os mesmos procedimentos para fazermos tudo todos juntos na pessoa em tratamento/recuperação? De onde vem esta desunião? Por quê aparece esta desunião? E acho que encontrei duas respostas: vaidade e medo. 

Mas agora, com licença, eu vou à luta. Porque meu desígnio na enfermagem é transcendental. Vou atrás de uma outra realidade, mais tangível: batalhar um novo emprego.