14 de mai. de 2016

Touro manso*

Hoje tive um dos dias mais emocionantes da enfermagem em minha vida, se não foi o mais. Sou a referência de um paciente por quem sou apaixonada. Brinco que ele é maratonista. Mas é um pedreiro, taurino, de 40 e pouco, 1.85 de altura, magro, pele grudada nos músculos e não sente dor.

Doce, de fala mansa, sorriso de criança, é daqueles que detesta incomodar. Quem o vê chegando fica com medo porque - quando está sério - tem uma cara muito brava. Além da questão psiquiátrica, ele tem problema de má circulação que, dependendo da gravidade, dá uma coceira danada e abre feridas, especialmente nos tornozelos. Para evitar que o quadro piore, é preciso tratamento diário.

Fui fazer seu curativo pela segunda vez. Peguei todo o material, o encaminhei pra lavar os tornozelos com água e sabão e, depois de tudo seco, com ele bem acomodado, iniciei o procedimento. Com calma, passo a passo, fui cuidando das feridinhas, aplicando a medicação, colocando as gazes, enrolando a atadura... Primeiro no tornozelo esquerdo. Depois, fui para o tornozelo direito, menos prejudicado. De repente:

- Eu te amo.

Parei. Continuei. A respiração parou. Voltou. Não, não ouvi isso. Sim, ouvi sim. Sim, Cinira, você ouviu "eu te amo" do paciente que você está cuidando. E por estar cuidando dele, ele te disse "eu te amo". E isso é a coisa mais linda que já te aconteceu na vida.

Fiquei imaginando quanta gratidão este homem estava sentindo naquela situação. E fiquei sem reação por uns segundos diante deste momento surpreendentemente especial. A expressão foi tão diferente de todas que já ouvi... Tinha um peso leve, uma impacto suave, uma verdade sublime!

- E eu amo você também.

Respondi séria, olhando em seus olhos. Não podia deixar que ele me visse lacrimejando. E baixei o olhar rapidinho, retomando o trabalho.

*publicado originalmente em meu perfil do facebook em 28/02/2015

Um comentário:

Anônimo disse...

Sabe, admiro a sensibilidade e, como já cuidei de paciente idoso, minha Mãe, eu entendi perfeitamente o que seu paciente fez.Se não tivesse havido a oralização do pensamento dele, bastaria vc olhar em seus olhos. Teria visto, e não ouvido, o mesmo "eu te amo" de agradecimento.
Continue sua missão, é bonito saber que tem "gente" que gosta de "gente".
Abraço Fraerno!

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