30 de abr. de 2020

Cartilha do meu envelhecer

Não posso ficar doente.
Sou sozinha e estou envelhecendo. Preciso de trinta minutos diários de atividade aeróbica.
Devo fortalecer as pernas, a coluna e cuidar das "vista".
Não posso ficar doente.

Nao tenho quem me cuide e não quero ser um peso pra ninguem. 
Nao posso ficar doente e nao quero que ninguém adoeça.
Preciso cuidar do que coloco dentro do meu organismo.
Devo preferir os fitoterápicos.
Respeitar o ciclo de uma leve enfermidade.
Não vacilar com a imunidade.
Não posso ficar sem vitaminas, não posso ficar sem Sol.

Não posso ficar doente.
Devo estar sempre estudando, lendo, pesquisando, meditando.
Preciso ingerir os três pes: pipoca, peixe, ponche.
Não posso ficar sem outros três pes: paixão, perfume, poesia.

Devo manter as amizades que me completam, que me deixam ser quem realmente sou e que me respeitam.
Mas amigos também não são perfeitos. E eu também nao sou perfeita, mas não posso ficar doente.

Tenho que cuidar de algumas coisas e preciso estar bem.
Preciso manter um otimismo reservado, uma esperança acessível, um entusiasmo constante.

Devo manter o humor equilibrado, estabelecer algum controle, mas entender que enlouquecer é, muitas vezes, o caminho da cura.

Meu dinheiro não é suficiente.
Não tenho plano de saúde e nem quero mais. Não sei o que significa "o primeiro milhão". Não tive nenhuma ideia genial, nunca sou a empreendedora do ano e não participei de nenhum TEDx.
Não posso ficar doente.

Tenho muitos beijos e abraços para dar,  muitas mãos para apertar, muito de pertinho falar, muitos doces e ácidos para trocar.
Tenho muita música para dançar, muita canção para cantar, muita escrita para decifrar.

Cuidar-me. Cuidar do outro. Ajudar, colaborar, contribuir, apoiar, angariar, doar, prestigiar, elogiar, partilhar, compartilhar, acolher.
Para nao ficar doente.

*texto originalmente escrito em 30 de abril de 2016

11 de jul. de 2017

Nada foi em vão!

Bom, vamos lá. 

Agora irei fazer o que sei de melhor: me expor ao ridículo. Não falo isso com autopiedade, não. Sempre fui deste jeito. De dar a cara pra bater. De ter iniciativa. De não ligar que me julguem. É que está na hora de fazer um novo balanço e quero compartilhar com vocês minhas conclusões. 

Quando virei a mesa, em 2009, mudando da comunicação/cultura para o setor da saúde, dei sorte em conseguir emprego como auxiliar de enfermagem, assim que concluí o curso (era outro contexto político e econômico). Porém, a área que me acolheu foi a saúde mental e não era bem o que eu queria. Hoje, sou apaixonada.

Antes de me formar enfermeira, em 2015, ouvia muita gente falando, "profissional bom não fica sem trabalho na enfermagem", "hospitais adoram pegar enfermeiros recém-formados para moldá-los", "você é profissional e comprometida, vai conseguir logo uma colocação", "sua experiência como auxiliar e técnica é levada em consideração", "o melhor que você faz é estudar, faça pós também". Tudo mentira. Quero dizer, estavam tentando me apoiar e sou grata por isso. 

Atualmente, com oito anos de estudos em enfermagem (fiz a pós em docência, fiz o aprimoramento em saúde coletiva, comecei uma pós em urgência e emergência e sou técnica de enfermagem também) e seis anos trabalhando como auxiliar/técnica em psiquiatria, me defino como uma profissional com amplo conhecimento técnico-teórico na prática clínica em saúde mental. Mas isto não tem relevância nenhuma para o mercado porque, para trabalhar como enfermeira, precisa experiência e não são oferecidas oportunidades. A não ser que: a pessoa já esteja dentro do hospital como auxiliar; que conheça alguém dentro da instituição, que a empresa esteja apostando em você etc. Mesmo assim, vários colegas formados enfermeiros continuam atuando como técnicos dentro de seus hospitais. Um fator complicante: não tenho vontade de trabalhar em hospitais, especialmente, depois que conheci o SUS de maneira aprofundada. Gosto de promoção e prevenção da saúde, quero evitar que a pessoa adoeça, quero que ela se proteja, se previna, que mantenha a boa saúde ou estabilize sua condição. E entrar em AMA, CAPS, UBS é difícil porque as vagas não são abertas.

O que venho enfrentando desde 2016, enquanto ainda estava no aprimoramento e buscando colocação ao mesmo tempo, é o preconceito com minha idade. Fui preterida em uma residência em psiquiatria devido a idade e isso ficou claro na fala do entrevistador, que perguntou "você acha que aguenta 12h/dia de residência mais os finais de semana?". Em outro processo seletivo, comentários sobre minha idade foram mais evidentes, a entrevistadora dizia "você já está com 43, né?".

Além do mais, também enfrentei dificuldade em ingressar como enfermeira por meio dos processos seletivos, que fazem provas iguais para todas as especialidades e voltadas para quem tem a prática clínica rotineira (mesmo estudando, desculpem a franqueza, não dá pra lembrar todos os detalhes da saúde mental, da saúde da mulher,  da saúde do idoso, da saúde da criança... É mais fácil quando se está atuando! Cito, ainda, as seleções inescrupulosas e processos de ingresso em mestrados sendo contemplados mediante indicação em algumas faculdades. 

O sonho, às vezes, leva um "acorda" da realidade. Perdi a conta de quantas vezes "caí da cama". Mas não estou reclamando. Está "escrito nas estrelas" (para quem gosta de mapa astral) que nasci mesmo para ser multiprofissional, que gosto de estudar e que sempre vou  mudar quando me der "na telha". Enfrento, luto, batalho. Mas não sou do tipo insistente. Reconheço minhas limitações e, em tempos de crise (#foraTemer), tomar uma atitude é necessário. Por isso, viro a mesa mais uma vez. 

Após um ano e meio de tentativas para atuar no mercado como enfermeira, resolvi me afastar. E a vida, com esta mania de dar voltas, fez a comunicação e a cultura se reaproximarem de mim. Neste próximo semestre, vou atuar em uma nova função. Trabalharei muito, ganharei pouco. Até aí, nenhuma novidade. O fato é que estarei em um ambiente leve, que me proporcionará prazer e beleza. Acho que, diante dos acontecimentos nos últimos dois anos, era isto mesmo que eu estava precisando. Acredito que vai ser muito legal e vou honrar esta singela oportunidade. Em agosto, vou comemorar meus 44 anos com um inusitado, mas satisfatório trabalho. É temporário? É definitivo? Não sei. Só sei que estou feliz. Não é isso que importa? Reinventar-se é preciso! Feliz aniversário para mim! 

Nada foi em vão.

14 de mai. de 2016

Pílulas do CAISM*

Pergunto ao paciente:

- E você tomava as medicações direitinho?
- Tomava! 
- E por que será que você surtou? 
- Eu não surti! 
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A paciente me perguntou "que dia cai semana que vem? ". Não soube responder a esta. 
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Uma paciente disse assim pra mim, "Samira, você é mó gatona. Em que canal que você passa?".
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Enquanto isso, no trabalho, meu diálogo com a paciente:

- Agora eu vou pra lá.
- Pra onde?
- Pra lá no sofá.
- Não quer mais jogar memória?
- Não.
- Por que você não quer mais jogar?
- Porque quero esconder minha cabeça 
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Paciente de 47 anos, usa camisa polo fechadinha, pele bem branca, cabelos pretinhos todos
para trás, ganhou de mim um pirulito de coração e agradeceu dizendo, "isso sim é medicação". 
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Diálogo com a paciente:

- E os seus dentes são bonitos!
- Meus dentes?
- Isso. São bonitos!
- É dentadura!
- Puxa vida, mas que bela dentadura.
- É que fiz com o Dr. Abrão, um velho de 80 anos, especialista, reitor de uma faculdade.
- (???) Affe Maria...
- É! E nem preciso de orégano. 
- Não precisa de o quê??
- De orégano.
- Orégano???
- É! Aquele negócio que cola a dentadura.
- HAHAHAH! 
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O paciente me disse agora que pra falar com Deus é só pegar o telefone Dele.
Perguntei onde que pega e ele respondeu, “está na Bíblia o número!”.
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Conhecendo um novo paciente hoje, ele me pergunta, "você é da minha realidade?".
Respondi, "claro que sou". E viramos amigos. 

*originalmente publicado em meu perfil no facebook entre agosto de 2014 e janeiro de 2016

Touro manso*

Hoje tive um dos dias mais emocionantes da enfermagem em minha vida, se não foi o mais. Sou a referência de um paciente por quem sou apaixonada. Brinco que ele é maratonista. Mas é um pedreiro, taurino, de 40 e pouco, 1.85 de altura, magro, pele grudada nos músculos e não sente dor.

Doce, de fala mansa, sorriso de criança, é daqueles que detesta incomodar. Quem o vê chegando fica com medo porque - quando está sério - tem uma cara muito brava. Além da questão psiquiátrica, ele tem problema de má circulação que, dependendo da gravidade, dá uma coceira danada e abre feridas, especialmente nos tornozelos. Para evitar que o quadro piore, é preciso tratamento diário.

Fui fazer seu curativo pela segunda vez. Peguei todo o material, o encaminhei pra lavar os tornozelos com água e sabão e, depois de tudo seco, com ele bem acomodado, iniciei o procedimento. Com calma, passo a passo, fui cuidando das feridinhas, aplicando a medicação, colocando as gazes, enrolando a atadura... Primeiro no tornozelo esquerdo. Depois, fui para o tornozelo direito, menos prejudicado. De repente:

- Eu te amo.

Parei. Continuei. A respiração parou. Voltou. Não, não ouvi isso. Sim, ouvi sim. Sim, Cinira, você ouviu "eu te amo" do paciente que você está cuidando. E por estar cuidando dele, ele te disse "eu te amo". E isso é a coisa mais linda que já te aconteceu na vida.

Fiquei imaginando quanta gratidão este homem estava sentindo naquela situação. E fiquei sem reação por uns segundos diante deste momento surpreendentemente especial. A expressão foi tão diferente de todas que já ouvi... Tinha um peso leve, uma impacto suave, uma verdade sublime!

- E eu amo você também.

Respondi séria, olhando em seus olhos. Não podia deixar que ele me visse lacrimejando. E baixei o olhar rapidinho, retomando o trabalho.

*publicado originalmente em meu perfil do facebook em 28/02/2015

Atualizando as notícias

Caros(as) leitores(as), saudações!

Após trabalhar alguns meses no IMESC (Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo), precisei admitir que aquela atividade não era exatamente o que buscava para mim. Foi muito interessante o aprendizado, mas meu comportamento culminou no desligamento. Enquanto isso, fui dando continuidade ao terceiro ano da faculdade de enfermagem – que estava empolgante – e passei a buscar um novo emprego.

Após dezenas de currículos enviados, dezenas de processos seletivos, provas e dinâmicas em diversos hospitais, eis que a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo me chama para uma prova. Havia tentado entrar na Santa Casa por três vezes. Será que dessa vez eu conseguiria? Nos processos seletivos anteriores, emperrava sempre na dinâmica. Fiz uma avaliação pessoal para tentar descobrir onde errava e descobri. Realizei a prova, passei. Realizei a dinâmica, passei. Realizei a entrevista, passei. E aproveito para deixar a dica a quem não passa nas dinâmicas: fale o menos possível! Quem me conhece pode imaginar como o meu jeito “bobo da corte” pode ter me atrapalhado. Mas usei a cabeça, desta vez. E estava prestes a realizar um sonho profissional: entrar na Irmandade Santa Casa. 

Fui selecionada para trabalhar no CAISM – Centro de Atenção Integral à Saúde Mental, hospital psiquiátrico da Santa Casa. Como auxiliar e técnica de enfermagem, adquiri muita experiência em saúde mental, especialmente em Álcool e Drogas, mas desta vez iria trabalhar com transtornos mentais. Área que amo, perto de minha casa, perto da faculdade... ideal. 

A seguir, alguns relatos do que vivenciei, nos quase dois anos de atuação no CAISM. Saí de lá com o coração partido, mas foi por uma causa nobre: o aprimoramento em Saúde Coletiva no Instituto de Saúde de São Paulo. Mas isso eu conto depois.

Boa leitura!

Revisitando a Saúde

Caros(as) leitores(as), saudações!

Para quem ainda não conhece o projeto Visita da Saúde, segue abaixo um breve histórico e elucubrações de planos futuros.

Há oito anos, criei este blog para me ajudar na compreensão e no significado de mudar do jornalismo para a enfermagem e também levar ao conhecimento dos amigos e familiares como esta transição estava se dando.  Aqui, é possível acessar postagens antigas (onde explico como esta "virada de mesa" se deu, minhas motivações, descobertas), conhecer minhas primeiras histórias na enfermagem (iniciadas com o curso de auxiliar) e se aproximar da realidade dos pacientes e da saúde brasileira, especialmente na capital de São Paulo. Aqui você não encontrará apenas meus "textões". Está nos planos fazer do Visita da Saúde um pequeno espaço de divulgação cientifica e uma singela agência de notícias da editoria de saúde, de acordo com a demanda das realidades que vivencio. As novidades são tantas... Saí do IMESC, trabalhei na Santa Casa, me formei enfermeira e agora atuo com pesquisa em saúde!

Obrigada a todos os 5.751 visitantes, que me acompanharam neste espaço desde julho de 2009 até agora.

Abraço caloroso.
Cinira Fiuza

16 de set. de 2013

Pesadas sacolas

Uma mulher, 60 anos, entra na sala de perícias. Usa sandálias de plástico e um conjunto de saia e blusa, muito simples. Sua expressão é pesarosa. Seu corpo parece arrastar. Anda, quase não querendo. Aparenta mais idade do que tem. Já é uma senhora. Nas mãos, duas sacolas bem cheias. Julguei que estivesse sentindo dor e ofereci ajuda. Ela agradeceu, mas recusou. 

Logo em seguida, entram uma mulher de 30 anos e uma menina de uns 12, mãe e filha. Trata-se de uma investigação de paternidade por espólio: a senhora foi convocada pela justiça para provar que seu filho, falecido, é o pai da menina presente. Pela atmosfera do ambiente, dava para perceber que senhora, mãe e filha nunca haviam se encontrado antes. Conheceram-se ali, naquela ocasião. Mãe e filha viviam na capital de SP. A senhora vivia no interior longínquo.

Minha colega, a perita do plantão, as orienta para que se sentem. A senhora se agarra às sacolas. E se acomoda muito desconfortavelmente. O olhar dela baixa. E assim fica. Ao lado dela, existem outras cadeiras, que ela poderia usar para se sentir menos "amontoada". Resolvo tentar, mais uma vez, ajudar:

- A senhora não quer colocar as sacolas nas outras cadeiras para ficar mais à vontade?

E a senhora começa a chorar. Muito. Eu e minha colega nos entreolhamos. Pergunto:

- A senhora quer que eu te ajude?

Ela nega com a cabeça. E vai chorando e colocando, gentil e devagar, as sacolas ao seu lado. Não estamos entendendo nada. Levanto-me, pego toalha de papel e entrego a ela. A senhora me olha nos olhos para agradecer e vejo seus olhos encharcados e vermelhos. Suas lágrimas preenchem os vincos da pele cabocla. Delicadamente, passo a mão em seus presos cabelos brancos. E pergunto: 

- A senhora quer água?
- Não...
- Por que a senhora está chorando? 
- Estas sacolas são os pertences do meu filho.

Ela tornou a chorar. E eu me segurei para não fazer o mesmo. O luto era recente. Minha colega e eu a consolamos. Explicamos que o procedimento seria apenas com a coleta de uma gota de sangue dela. Esta senhora não foi suficientemente orientada. Ou ela estava atordoada demais para compreender qualquer coisa neste momento de sua vida. E trouxe, de ônibus rodoviário do interior até a capital, duas sacolas com escova de dente, escova de cabelo, aparelho de barbear, roupas e sapatos do filho recém-falecido. Ela achou que o exame seria feito com os objetos pessoais dele.

Aquelas sacolas, não eram apenas sacolas. Era o próprio filho dela.

4 de set. de 2013

Casal sorridente

O objetivo da mãe era colocar o nome do legítimo pai na certidão de nascimento da filha, que constava como "sem registro" na filiação paterna. Para isso, ela entrou com um pedido na justiça por meio do Fórum Regional do bairro dela. A autoridade competente encaminhou ofício ao IMESC, solicitando o agendamento para o exame de investigação de paternidade. E as partes envolvidas foram comunicadas mediante intimação judicial.  

Entram na sala de perícias, um homem e uma mulher, na faixa dos 40 anos, e uma garota de 13. Os dois adultos tiveram um caso de amor, há 15 anos. Ela engravidou dele. Naquela ocasião, eles se afastaram. Tomaram rumos de vida diferentes, mas nunca perderam o contato. A garota cresceu sabendo que tinha um pai. Encontravam-se, de vez em quando. A relação é tranquila entre os três. 

Antes da coleta do material genético (sangue, neste caso), é realizada uma entrevista pela perita. Neste instante, apenas observo e aguardo. O ambiente está amigável. O casal é sorridente e a filha está animada. Os questionamentos são sobre informações pessoais, profissionais e familiares. 

Em um determinado momento, é necessário que os periciandos (pai e mãe) respondam sobre "grau de parentesco". A perita pergunta aos pais:

- Vocês possuem algum grau de parentesco?
- (silêncio)
- Vocês possuem algum grau de parentesco?
- Oi? 
- Quê?
- Vocês possuem algum grau de parentesco? São parentes? Irmãos? Primos?

Pai e mãe se entreolham, cúmplices. Sorriem envergonhados. O pai responde baixo:

- Somos primos. 

A garota arregala os olhos para mim. 

A perita pergunta, "primeiro ou segundo grau?". A mãe responde:

- Primeiro grau.

A garota abre a boca de espanto. E olha para mim.

A filha ainda não tinha entendido muito bem. E confirma com a mãe:

- Você é prima do meu pai??

"Depois explico, filha", e um sorriso "câimbrico" estampou o rosto da mãe.

A garota "fecha a cara". Fica pensativa. 

Por alguns segundos, me senti dentro de um roteiro de novela das nove. Mas a expressão da garota, que mudou de animada para intricada, me fez discordar de Oscar Wilde e afirmar que quem imita a vida é, realmente, a arte.

Investigação de Paternidade

Atuar como técnica de enfermagem para a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania é um evento diferente. O indivíduo ali não é, exatamente, um paciente, mas um "periciando". Para mim, atuante no setor de coleta de material genético, isso foi uma novidade.

O ambiente no IMESC (Instituto de Medicina Social e de Criminologia) , especialmente na coleta, é tenso e as circunstâncias são estressantes. As pessoas ali estão envolvidas em situações, muitas vezes, constrangedoras. A secretária recorre ao exame de investigação de paternidade para provar  que o dono do escritório onde trabalhou é pai do filho dela. A amante recorre ao exame para provar que o marido da esposa é pai do filho dela.  A doméstica recorre ao exame para provar que o patrão, marido da patroa, é pai do filho dela. A pré-adolescente recorre ao exame para provar que o namorado, também adolescente, é pai do filho dela. O comerciante recorre ao exame para provar que a criança não é dele e afastar a mãe oportunista. O recém-separado recorre ao exame para provar que a criança não é dele e afastar a ex-mulher oportunista.

Estes são alguns exemplos das diversas situações que aparecem no IMESC. Existe também o caso de espólio, em que é preciso provar que um irmão, que apareceu após 30 anos na vida de uma família, é parente legítimo e, portanto, possuirá os mesmos direitos. Alguns dos atendimentos que realizei me marcaram emocionalmente. Especialmente, duas histórias que relato agora nas próximas postagens.

Boa leitura!

20 de jun. de 2013

Pílulas do IMESC

Caro(a) leitor(a), saudações!

Tardo, mas não falho.

Antes de relatar sobre as histórias que me comoveram no IMESC, quero escrever sobre duas situações curiosas que aconteceram no atendimento e que exemplificam, um pouco, o público que é recebido na instituição.

No momento em que é realizada a coleta do material genético (sangue/saliva) dos periciandos (os convocados pela justiça) é feita, antes, uma entrevista com os presentes. Nesta entrevista, dentre tantas perguntas, veja as respostas dadas para estas:

Perito - Qual a cor/raça do seu filho?
Periciando - Encardida.

Perito - Qual seu estado civil?
Periciando - São Paulo.

Isso não foi uma piada. É o retrato de uma (boa) parcela do povo brasileiro que não possui entendimento de algumas coisas.